domingo, 22 de setembro de 2019

Eu não sou bonita

Não sintas, por favor, que este texto é uma negação ao que me disseste. Não tenho a pretensão de o julgar ou escrutinar. Sinto, no entanto, a necessidade de te responder (porque assim, é a mim que respondo).

Eu não sou bonita. E digo-te porquê:

Quando me olhas nos olhos, não são olhos que tu vês. É o sol de laranja a ser chupado pela savana ardente de África.
Quando me beijas a pele, ainda que não a sintas, é a canela que te sabe.
Quando me acaricias o cabelo longo, é no dorso suave e saudoso do teu cavalo que pousas a mão
Quando me beijas, é na manga doce que me penetras os lábios
Quando me seguras nas ancas, seguras nas mãos as ancas parturientes de um antílope que tremem à passagem do seu filho bebé 
Quando tens na palma das tuas mãos abertas, pingos de suor e saliva, é um pedaço de chuva quente que caiu daquele céu improvável de Angola
Quando ouves a minha voz, é o canto de uma aldeia inteira que tu ouves
Quando me vês ir embora, é a dança ritualista, uma oração entre o teu deus e o deles, que acompanhas rápido, através dos meus passos
Quando eu não estou, cai a saudade de uma África ausente que teima em não te esquecer.

Eu não sou bonita. Não é a mim que tu amas. Na verdade, tu nunca me viste. Sou o que tu queres ver, mas não eu.

Sou feita de placas tectónicas que vão umas contra as outras, cá por dentro. Isso não é bonito de se ver. É grotesco. E no dia em que me digas:

-hoje, és bonita

eu saberei que o meu coração despedaçado finalmente, curou.


ao meu dandy favorito