Ontem foi dia de ronda.
em todas as quartas feiras que não pude comparecer, todas elas mexiam comigo, às vezes sem me lembrar que era por causa das rondas.era dia de tarefas. boas.
voltar.
entrar na confeitaria S. Remo e ser recebida num grupo sorridente e bem disposto. Fazer os sacos na av. da Boavista e receber, com a alma cheia, as palavras do Artur de boas-vindas aos novos voluntários.
Maria João, Fatima, Ricardo, Fernandes, Carla, Artur, Lia, Joana, Adelino
Começou na Batalha onde uma multidão de caras novas nos recebeu, famintos e cheios de frio. Já não me lembrava como as noites do Porto podem ser tão frias e vazias. Distribuiu-se roupa. A de homem acabou nessa mesma paragem. Precisamos de mais e mais agasalhos. Não vi crianças o que me deixou mais tranquila.
A alegria e boa disposição levaram-nos às lágrimas de tanto rir no carro da Carla. Parámos na Batalha onde estavam apenas duas pessoas. uma delas decidiu presentear-nos com um fado seu meio improvisado, meio ensaiado. foi dificil segurar-me, confesso, mas o que começou por ser uma paródia, era no final, um clamor desesperado que de piada não tinha nada. As rondas são mesmo assim: uma mistura de emoções onde, num momento, não conseguimos parar de rir, no momento a seguir caiem-nos lágrimas pela cara abaixo e encolhemo-nos perante a nossa impotência e pequenez.
Seguimos para o Hospital Sto. António.
Mais uma multidão. Encontramo-nos com os Samaritanos que têm um papel tão importante na rotina destes sem-abrigo. Montei o estaminé no capô do carro e "vendi" mais um punhado de roupa. Novos rostos. Nunca menos. Sempre mais e diferentes. Um alentejano desempregado, com formação em Restauro, contava anedotas de alentejanos.
Terminámos a ronda de ontem num Aleixo despovoado de vidasaudável. Restos de pessoas com buracos no sítio de olhos arrastavam-se pelas paredes. E finalmente fizemos aquilo que me movia, a todas as quartas feiras, eu deixar a minha vida e dá-la a estas pessoas: descemos à Torre 1. O cheiro é indescritível, as imagens murros no estômago. Respira-se morte e não há sacos suficientes e capazes que atenuem nem por 2 segundos a morbidez que ali está instalada.
Não sei explicar como tamanha miséria me atrai tanto mas só no meio deles eu me sinto bem.
21'56 / 21out