quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ronda dos sem abrigo 20 out - voltar

Ontem foi dia de ronda.
em todas as quartas feiras que não pude comparecer, todas elas mexiam comigo, às vezes sem me lembrar que era por causa das rondas.era dia de tarefas. boas.

voltar.
entrar na confeitaria S. Remo e ser recebida num grupo sorridente e bem disposto. Fazer os sacos na av. da Boavista e receber, com a alma cheia, as palavras do Artur de boas-vindas aos novos voluntários.

Maria João, Fatima, Ricardo, Fernandes, Carla, Artur, Lia, Joana, Adelino

Começou na Batalha onde uma multidão de caras novas nos recebeu, famintos e cheios de frio. Já não me lembrava como as noites do Porto podem ser tão frias e vazias. Distribuiu-se roupa. A de homem acabou nessa mesma paragem. Precisamos de mais e mais agasalhos. Não vi crianças o que me deixou mais tranquila.

A alegria e boa disposição levaram-nos às lágrimas de tanto rir no carro da Carla. Parámos na Batalha onde estavam apenas duas pessoas. uma delas decidiu presentear-nos com um fado seu meio improvisado, meio ensaiado. foi dificil segurar-me, confesso, mas o que começou por ser uma paródia, era no final, um clamor desesperado que de piada não tinha nada. As rondas são mesmo assim: uma mistura de emoções onde, num momento, não conseguimos parar de rir, no momento a seguir caiem-nos lágrimas pela cara abaixo e encolhemo-nos perante a nossa impotência e pequenez.
Seguimos para o Hospital Sto. António.

Mais uma multidão. Encontramo-nos com os Samaritanos que têm um papel tão importante na rotina destes sem-abrigo. Montei o estaminé no capô do carro e "vendi" mais um punhado de roupa. Novos rostos. Nunca menos. Sempre mais e diferentes. Um alentejano desempregado, com formação em Restauro, contava anedotas de alentejanos.
Terminámos a ronda de ontem num Aleixo despovoado de vidasaudável. Restos de pessoas com buracos no sítio de olhos arrastavam-se pelas paredes. E finalmente fizemos aquilo que me movia, a todas as quartas feiras, eu deixar a minha vida e dá-la a estas pessoas: descemos à Torre 1. O cheiro é indescritível, as imagens murros no estômago. Respira-se morte e não há sacos suficientes e capazes que atenuem nem por 2 segundos a morbidez que ali está instalada.

Não sei explicar como tamanha miséria me atrai tanto mas só no meio deles eu me sinto bem.


21'56 / 21out

10 comentários:

  1. Liinha, fico tão emocionada com a tua (vossa) sensibilidade... Abdicarem do vosso tempo, da vossa vida em prol de pessoas que desconhecem de todo, mas que são tão necessitadas de bens tão básicos, como comida e agasalhos...
    "Restos de pessoas com buracos no sítio de olhos arrastavam-se pelas paredes". Uma descrição tão forte, mas tão fiel, do estado crítico desses seres. Bem haja minha querida a ti e a todos esses jovens que conseguem ter tempo para os outros...
    Beijinho grande. Titinha

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  2. ... e voamos para uma vida cada vez mais miserável, subserviente e sem consequência... miserável por não termos opções, subserviente por não sermos esclarecidos e baixarmos a cabeça aos pequenos gestos que, na sua grande maioria não passam de caridade, e que, também na sua grande maioria, não levam a lado nenhum - já o cantava o josé fanha, em tempos idos, na sua memorável ironia:- "vamos brincar à caridadezinha"...
    acho que deve ser difícil ensinar um peixe a pescar...
    mas eu estou c'os copos e a subserviência a que me referia devia ter alguma coisa a ver com os poderes instituídos, com a crise irónicamente instalada - dita finaceira, e ainda com a panaceia de argumentivas economicistas em que vivêmos.
    é difícil lidar com a miséria... vá lá saber-se qual...

    para tentar mudar o tom do discurso...
    'tava com saudades! e isso dá-me alento para tentar pagar o que para aí vem! -; (isto é um smile, certo?)...

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  3. ... e voamos para uma vida cada vez mais miserável, subserviente e sem consequência... miserável por não termos opções, subserviente por não sermos esclarecidos e baixarmos a cabeça aos pequenos gestos que, na sua grande maioria não passam de caridade, e que, também na sua grande maioria, não levam a lado nenhum - já o cantava o josé fanha, em tempos idos, na sua memorável ironia:- "vamos brincar à caridadezinha"...
    acho que deve ser difícil ensinar um peixe a pescar...
    mas eu estou c'os copos e a subserviência a que me referia devia ter alguma coisa a ver com os poderes instituídos, com a crise irónicamente instalada - dita finaceira, e ainda com a panaceia de argumentivas economicistas em que vivêmos.
    é difícil lidar com a miséria... vá lá saber-se qual...

    para tentar mudar o tom do discurso...
    'tava com saudades! e isso dá-me alento para tentar pagar o que para aí vem! -; (isto é um smile, certo?)...

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  4. e já não sei quantos comentários fiz ou enviei... rai'parta esta selecção de forma de postar comentários...

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  5. mas, se é que chegou por aí qualquer coisa, tu saberás fazer a selecção entre o trigo e o joio...

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  6. existe. existe e andará estampado nas faces duma larga fatia das gentes deste portugalzinho à beira mar plantado...
    mas o meu smile ainda não é de uma completa tristeza, é mais de uma certa apreensão. avizinham-se tempos difíceis e muito complicados para todos nós, com disparidades sociais cada vez maiores, miséria e pobreza que alastram e são cada vez mais evidentes...

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  7. Ghost of Christmas Present27 de outubro de 2010 às 12:27

    'They are Man's,' said the Spirit, looking down upon them. 'And they cling to me, appealing from their fathers. This boy is Ignorance. This girl is Want. Beware them both, and all of their degree, but most of all beware this boy, for on his brow I see that written which is Doom, unless the writing be erased. Deny it!' cried the Spirit, stretching out its hand towards the city. 'Slander those who tell it ye! Admit it for your factious purposes, and make it worse! And abide the end!'

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