domingo, 10 de maio de 2020

Boa noite, Valentina

A ansiedade das esperas terminou hoje. 
Esperamos por ti, perdida entre esquinas. Esperamos por ti, amedrontada, mas recolhida por alguém que te tivesse encontrado e acolhido. Esperamos até por um resgate. Esperamos por ti, viva. Ansiosos que o pesadelo terminasse, como se fôssemos teus pais. Empáticos com o sofrimento de quem te ama, a sofrer por um futuro risonho mas que tardou a chegar. Esperamos pelas lágrimas de felicidade de alguém que gritasse ao longe:

- Está aqui! Encontrei a menina! Ela está bem!

Um país inteiro com o coração apertado, ansiosos por uma notícia tua. Mas como poderias? Esperamos por ti como se fôssemos nós os pais. Assim o julgámos. Mas os teus pais não esperavam por ti. 
Tiveste o azar fatal de não poderes confiar em quem te devia proteger: nos teus pais. No teu pai, que te deu a vida, e na mulher que ele escolheu para estar ao seu lado: para fazer também o papel de tua mãe. Tiveste tanto azar, Valentina. 
O pai não tem uma contribuição visceral como o tem a mãe. Não é umbilical a sua relação: é processual. É uma cadência que precisa de tempo para se estabelecer. É até explicável, definível. O pai não te amou desde sempre, desde que soube que ía ser pai. Ele habituou-se à ideia. Precisou de tempo. Foi-se convencendo. Com o tempo, foi imitando comportamentos do papel de "pai", mas sem o sentir de facto. Ora bem, um pai faz isto? Então vou fazer igual. Parecia um pai, de facto. Mas não era pai. Não podia ser pai, porque as suas decisões não era baseadas em amor total. Neste amor indefinível, totalitário, quase egoísta e redundante porque é um amor que só precisa dele próprio para subsistir. Um pai que não bebe deste amor pela filha, não pode ser pai. Só parece um pai. É um pai trôpego, manco. Encostado às opiniões alheias, manietado. Um fantoche manipulado pelo que vê os outros fazer. É um embriagado. Um boneco vazio de sentimento, convencido que convence e por isso, auto-convence-se. 
Se a este ser se juntar uma mulher de igual nível, o resultado só poderá ser desastroso. 
Tiveste tanto azar, minha doce Valentina. Podia ter sido diferente se a tua madraste fosse uma "boadrasta". Alguém que te acolhesse como se fosses sua. Que te ensinasse tudo o que ela tivesse de melhor. Ou pelo menos, que tivesse essa intenção. Alguém que te chamasse "filha de coração" e te explicasse o que isso significa. Uma boadrasta que te quisesse para sua família e que te contabilizasse na hora de tomar decisões. Era isso que merecias, meu amor. Em tua casa juntaram-se dois pólos negativos. Dois excrementos humanos. Duas amostras de "como-não-ser-pai-nem-mãe". Tiveste o azar de se reunirem na mesma parelha dois seres que se auto-masturbam na mesma linguagem de pus e esterco e não podemos imaginar o quanto já deves ter sofrido. Quanta confusão nessa cabecinha. Quantas dúvidas, quanto desespero em tão pouco tempo de vida. Onde estarás tu agora, minha querida Valentina? Que nome tão bonito que tu tens.

Sobra agora a tua mãe. Uma sombra da mulher que foi e que nunca voltará a ser igual. Com certeza, neste momento, a tua mãe é um resto. Uma sombra. Um resquício de mulher. Tal como o amor de mãe é indefinível também a dor de mãe o é. A tua vida não foi em vão, meu amor. E é isto que eu gostava de dizer à tua mãe, se pudesse. A tua vida não foi em vão. E a vida da tua mãe também não.

Boa noite, Valentina.

"As mulheres são fracas, as mães são fortes" - Provérbio norte-coreano


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