Sr. das Barbas,
tu sabes que acredito em ti. Falo contigo muitas vezes ao dia, por meias palavras, é certo, mas tu ouves-me porque fazes o que te peço. E no fundo não te peço nada que não possas fazer porque a cada pedido acrescento sempre: se achares que é o melhor para mim! Há vezes que não entendo a tua escolha no momento, mas a verdade é que passado algum tempo, faz sentido. E sorrio. Agradeço-te também muitas vezes com sorrisos: olho para cima e sorrio, falo contigo e quando alguém me ouve a falar sozinha eu não te escondo e digo: estou a falar com o sr. das barbas.
Escrevo-te porque estes últimos tempos têm sido demais para mim. Tu sabes que eu tenho um coração muito fraquinho e que não aguento muita emoção. Quero-te fazer um pedido. Faz-me chorar. Agora. Agora que estou em casa. Agora que ninguém me vê. Agora que não corro o risco de fazer figura de parva como às vezes me fazes sentir quando soltas as minhas lágrimas numa peça de teatro cómico ou numa fila de espera ou numa conversa onde é completamente inapropriado desatar a chorar. Faz-me este favor. Faz-me chorar agora, por favor. Quero muito chorar e não consigo. Tenho tanta coisa porque chorar que parece que estou entupida e não consigo chorar! É uma grande ironia o que me fazes: tenho tanto porque sorrir. A música que estou a ouvir neste momento faz-me imensamente feliz por ter sido eu a compor. Tenho tudo para poder chorar agora. Tudo a postos e não consigo. Eu sei que a angústia só passa angustiando e é isso que eu quero passar. O mais rápido possível! Para ficar boa o quanto antes. Tenho pressa em me livrar desta dor. Preciso que me dês forças para amanhã. Para saber o que dizer. EScolhe-me bem as palavras por favor e não me faças chorar com ela. Não é isso que ela precisa. Dá-me força para lhe passar essa energia. Se bem te conheço, vais-me atraiçoar e vou abrir a barragem de lágrimas no momento em que a abrace. É só por causa dela que te escrevo.
Faz-me chorar agora, por favor.
2.10/a ouvir Golias
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