domingo, 26 de janeiro de 2020

a verdade das maçãs

Eu amava-te como amava as borboletas
Deixando-as ir mas sonhando com o jardim
a acordar pulverizado com o pó mágico
delas.

Odeio o pó: passar o dedo e deixar caminhos desunidos
no vidro riscado da mesa de cabeceira.


Eu amava-te como se amam os grandes escritores
Onde cada palavra é reinventada
papel higiénico, faca, sardas, pau.

Não suporto conhecer o outro lado do artista:
cuspe branco nos cantos da boca, mesquinhez no discurso.


Eu amava o teu sexo como se ama um professor
que forma a criança, o adolescente, o adulto.
Uma gerbera azul a florir na palma das minhas mãos.

As flores azuis do jarro são lindas mas já vão mortas.
Não terei tempo de as ver empalidecer.


Eu amava a tua boca como se ama o futuro,
as nossas línguas uniam-se em largos destinos
e eu afogava-me um bocadinho de cada vez.

A tua boca assimétrica é um quadro de Picasso.
Os espanhóis entediam-me.


Esperarei pelo tempo
recebendo as suas áridas descobertas
aceitando respostas sem ter questionado
sabendo, sem ter perguntado.
Esperarei pelo tempo das maçãs maduras
e pelo aroma doce da sua morte.



26 jan 20
4h25
Grammy's
Kobe

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