segunda-feira, 30 de março de 2020

O doce cheiro a caramelo

Meu amor,

fazes hoje 10 meses. Estava neste momento, há 10 meses atrás, contigo a meu lado, a barafustar com a enfermeira porque estava a morrer de sede e ela não me podia dar água sob pena de vomitar tudo, resultado da anestesia da cesariana. Meia zombie, com um olho aberto outro fechado, tal como hoje, meia zombie, com um olho aberto para o futuro, o do passado, fechado.
Comprei-te livros como prenda. Não sei que mundo te vou deixar. O que era certo ontem, já não é hoje e amanhã há-de voltar a mudar. Sinto-me a planar, sem saber onde pousar os pés porque tudo é areia movediça. Comprei-te livros, meu amor. Ainda é nos livros que mais confio para te deixar alguma sabedoria para aprenderes a planar, rente sobre as coisas: se precisares aterras, se não, continuas a voar sem te magoares. Dom Quixote nasceu com o nome de Alonso. Tu nasceste como Luz: quem te irás tornar? Irás percorrer o mundo como ele? Quem serão os teus moinhos a derrubar? Possas tu viver feliz porque num sonho parece que é onde já estamos a viver. Parece que vivemos dentro de um livro de Aldous Huxley. Escolhe viver dentro de um livro de Garcia Marquez.
Dei por mim a comer maçãs o dia todo. Acho que, inconscientemente, estou a poupar. Ouvi uma senhora na rádio a perguntar se se pode sentar na sua varanda sob o risco de apanhar com partículas infectadas dos tapetes sacudidos dos vizinhos.
Só o teu sorriso me distrai. Só o teu cheiro a caramelo me traz a "casa". Parabéns, meu amor. 10 meses a trazer luz ao mundo.

30/Mar/20
16h49

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