terça-feira, 26 de julho de 2011

A mentira maior

Faz hoje um ano.

Não é que os frutos sejam mais maduros de como os lembro, espremidos nos teus dedos e na forma como os levavas á boca. Faz hoje um ano mas não é por isso que corro mais lentamente na tua direcção. Este ano que passou não diminuiu a intensidade de luz com que acordo todos os dias que tu já não estás. Chegam-me laivos de ti nos sons que me entorpecem no ram-ram nos entretantos de vida que tu me atiraste. Faz hoje um ano que prostituo o meu tempo em mulheres tão vazias como eu e vendo ao desbarato dedicação e atenção em alguéns que não lhes reconheço sequer a voz.
Esta carta é para juntar á de ontem (porque o mail continuava vazio sem que ninguém soubesse de ti) , à de anteontem (quando entalei, sem querer, os gladíolos no elevador e destruí o meu único presente de aniversário para a tua mãe), à dos fins de semana (que a memória já mistura por nada ter que os diferencie).
Não é que a música já cá não entre. Ainda é um dos poucos canais onde consigo comunicar sem “talvez” ou “dependes”. Vá lá, tiveste a decÊncia de me deixar a música. Não sei se te odeie menos por isso. Mas é mentira, sabes que isso seria impossível: odiar-te era negar a mim próprio o direito de me amar. Continuo a errar; porém não é por isso que sou o erro. Não sou atormentado pela realidade porque ela não existe para mim. Eu não existo para ti,sequer. É o significado que lhe estou a atribuir que me mantém no teu encalço. Tu és a representação do amor maior. Não te iludas, meu amor. Não fiques cismada. Eu olho e vejo mas é porque me convenço. E chega-me.

Há neste tempo uma euforia de cores e rituais. Traz o calor vontades e desejos que vêm diluídos nas brisas de fim de tarde como uma poeira fina e que pousam nos cabelos e nos dentes das pessoas quando riem de coisas que não ririam numa qualquer outra altura. Imagino este pó de estrelas a escorrer num banho de luz pela tua pele abaixo e a vir pousar nas palmas das minhas mãos em forma de concha. Nunca quis perder um bocadinho que fosse de cada gesto teu. Sempre que te tinha à minha beira, e só falo assim porque sei o quanto achavas piada a esta expressão - à minha beira. Já não te tenho à minha beira. Nem sei quem te terá à beira, mas não é à minha. Os junquilhos que plantaste não duraram um mÊs. É só para que saibas. Para não ficares feliz. Não suporto a ideia de estares feliz. Quando deres por ela, voltas para mim e o caminho que percorro na tua direcção, fa-lo-ás tu, de frente para mim. Não vieste inventar nada. Há sempre um voltar ao sítio onde se foi feliz e é por isso que não me desespero. A gente encontra-se, de caminho. Abandonei a minha cidade há 15 anos e dou por mim ainda sentado em expressões como esta: de caminho

de caminho faço isso
vou de caminho, vou já

O prazer com que volto à minha língua é quente e reconfortante. Ela embala-me. Reduz, em expressões que já ninguém usa, o conhecimento absoluto de só quem passou é que sabe. Hasteio com gáudio o meu sotaque com que te cativei. Tenho arvorado no meu discurso, a força de uma raça que se recusou a calar. Eu sei que não fui eu quem te cativou, foi esta força de ser das minhas gentes. Devo agradecer a quem? Isto anda comigo, sempre. Ao contrário de ti, que te arrasto comigo: e és mais pesada ausente do que se estivesses de facto aqui.
O prazer de voltar a ti é o sacrifício de uma vida. É uma espera silenciosa e bizarra quase. Voltar a ti é um destino que eu decidi. Parece contraditório mas fiz de ti o meu capricho. O dizer “não” tem que ver com a pessoa que o diz. Não tem nada que ver comigo. E se assim foi, é porque naquela altura tu tiveste motivos próprios, só teus, para me dizeres que não. Tu não tens o dever de me divulgar as tuas razões, mas eu posso ficar magoado. E é por isso que te aguardo como o Tigre de Pablo Neruda ( http://www.youtube.com/watch?v=EwbVdXzm1bA ). As horas seguem e eu sigo com elas. Não te minto se te digo que a cada dia que passa, fica mais fácil. Não é mais fácil. Às vezes o peito comprime e dói tanto que só me apetece arrancar o coração com as próprias mãos e mesmo de ferida aberta, aliviar a dor. Não te minto se te digo que já me questionei se valerás a pena. Se vales a minha vida em troca mesmo sabendo que não és um resultado adquirido. Eu não sei se te voltarei a ver e aqui está a tua contínua vitória sobre mim. Se me pudesses ver neste momento, não me reconhecerias. A verdade é que ainda tremo à passagem de um pensamento teu. E se, por um lado, sou o tigre selvagem, a tua beleza enjaulou-me num abraço. Tens-me cativo por um beijo de despedida que, coitado de mim, não percebi que era para sempre. Mas só a ideia de te ver curvada pelo teu orgulho, rebaixada pelo arrependimento e com a palavra “desculpa” pendurada por um fio de saliva, alimenta a minha ira. Anula qualquer tremor de saudade. Deves-me isso. Deves-me uma vida de desespero. Deves-me uma vida arruinada e despedaçada. Quero-te ver a arfar de desespero. Quero-te ver apática perante a beleza do riso das pessoas que riem por rir. A verdadeira felicidade é ser feliz sem ter motivos. Hás-de ver a poeira mágica no ar e hás-de ser incapaz de lhe tocar. E por tudo isto, aguentarei. Velarei noite e dia, como o Tigre de Neruda, para te dizer que te perdoo.

1 comentário:

  1. olá , hoje sonhei-te , pensei-te , quase te senti, o teu calor , o teu cheiro, acho que te toquei ou foste tu . não sei . acho que nem nos tocamos fisicamente . mas acho que te toquei para além de ti . isso eu sei. ou foste tu a mim ? não sei . mas se soubesse ja não te sonhava , nem te pensava , isso eu não quero , mas sei que é sempre assim, isso eu sei...

    ResponderEliminar