quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

balada do riso condenado

Dizem que o olfacto é o sentido que mais directamente chega ao cérebro. Há uns dias atrás experienciei esta frase, num final de tarde no Solar do Vinho do Porto, paredes meias com os jardins do Palácio de Cristal. Meter o nariz no cristal do cálice, fechar os olhos e aspirar de um só suspiro: a madeira velha e encerada do tecto da sala do director da Academia de Vilar do Paraíso, quando lá ensaiava as audições de Natal, com os pianistas; a madeira dos vetustos pianos tocados por milhares de dedos incipientes; o ranger do corrimão flutuante das escadas senhoriais; o abrir da caixa de violino e espirrar com o pó da resina; os alunos que tinham aulas pela escola e que tudo se ouvia em todo o lado; a música a entranhar-se nos miúdos e a apoderar-se deles como um polvo invisível.

Hoje voltou a ser. através da audição.

A minha professora dizia que o melhor quando assistía a um bailado era ouvir o som dos bater dos pés no linólio, a respiração adulterada, o suor que escorre. O filme de hoje fez-me reviver os meus anos de bailarina e tudo o que contêm. A esta distância, isolo a capacidade de auto-sacrifício a característica que o ballet clássico mais fundo cravou na tábua do meu ser.
Encontrei hoje uma amiga minha enlutada como eu e proferimos em coro: "não nos podemos dar ao luxo de ter uma depressão!" e no meio do lamaçal, desatámos a rir às gargalhadas. e daquilo que seria o óbvio, mudámos a nossa perspectiva de olhar o mundo e tudo se transformou na beleza.

Apetece-me rever os reflexos do oiro que está subjacente a ti e que deixas escapar, distraído, em laivos.

sinto uma urgência do cheiro da tua barba.


02'08/sei

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