segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Mr. e Mrs. Smith

"fica comigo esta noite" pediu-lhe Santiago enquanto ela lhe escapava de entre os dedos
"vou-me embora agora, não há mais nada para te dizer"
"eu sei que está tudo dito, já o tínhamos dito sem falar, mas fica só mais esta noite"
"ouvi dizer que o teu amor por mim era filho de um deus menor, manco e sem olhos, nunca me importei porque era sinal que era forte. sempre pensei no nosso amor forte, pelas circunstâncias a que sempre esteve exposto. afinal estava drogado, dopado, medicado. vou embora agora. enganei-me na pessoa, desculpa, tudo o que sentiste , não era para ti"
"espera, não vás. não te enganaste. sou eu que estou aqui. o teu outro "eu", a tua outra parte, não mudei neste entretanto, continuo aqui e gosto mais de ti agora do que há bocadinho e menos do que de caminho."
" daqui não se vêem as estrelas. vou fugir daqui. como diz a canção, vem, vamos embora/esperar não é saber/quem sabe faz a Hora/ não espera acontecer"

vomitou duas vezes seguidas. vomitou a poeira, a tristeza, o jantar e o vinho. vomitou a alma que não era sua e a música que estava incrustada na pele e nos cabelos. como um demónio que tomara conta do seu corpo e que saiu pela sua boca, naquele instante, como um amor maldito e o único que vale a pena.

o amigo recebeu-o como pôde, com um abraço enjeitado e constrangido. emprestou o seu ombro e não o pediu de volta porque estas coisas não se pedem aos irmãos. deambularam os dois pelas ruas de calçada sem saberem muito bem por onde íam. para se distraírem falaram das viagens e das gentes e o tempo não se fez sentir. só mais tarde, sozinho no quarto de banho, olhou-se ao espelho e nada viu. não tinha reflexo do seu rosto. o espelho não lhe devolveu a imagem do seu rosto porque "a música nunca vem de onde se espera" e nada há de mais honesto que os olhos. não dormiu nessa noite e na manhã seguinte, foi ter com ela e pediu-lhe de volta a alma e a carne.
como se, a meio de uma dança, Santiago tivesse ficado sem par, a dançar sozinho.


00h56/7 fev/a ver fantasmas e a comer a outra metade da laranja

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